segunda-feira, 30 de maio de 2016

"Sem começar, nunca se começou."

Vindo de norte, deixo o Pocinho para trás e sigo para Santo Amaro, Vila Nova de Foz Côa, terra seca, rustica, quente, dura, mas tão pura como quase virgem, deixo-me levar por uma vinha velha com data de plantação de 1958, e termino 2015, com a aquisição da primeira parcela de vinha no Douro Superior.

Já a alguns anos procurava algo assim, atendendo que ja vínhamos produzindo os vinhos Proibido e Permitido, precisava de fechar o ciclo e passar à produção de uvas próprias para os nossos vinhos.



Escusado será dizer, que esta vinha situada a 450m com exposição Norte-Nascente e cerca de 4 ha e 1 ha de vinha, foi amor à primeira vista... Escusado será dizer que, também, se trata de uma vinha com muitas falhas, muito mal tratada no passado, fruto do desconhecimento "normal" dos anteriores proprietários, que sem se aperceber, com o pensamento na produção, iam deixando as videiras entregues a si próprias... Batizei-a como "Vinha do Pombal"


Vinha esta com muita variedade de castas misturadas, castas antigas, cujos nomes nunca ouvi falar.
Posto isto, lancei-me a um grande desafio... Manter e desenvolver o Património vitícola desta Região, começando por trata-lo de forma consciente e sobretudo natural, sem a normal aplicação de herbicidas e Cª, e com muito trabalho na base da mão do Homem e na força do Cavalo.


Ainda me lembro do Sr. Ferreira, antigo caseiro, dizer: "Sôr Engenheiro, gaste 20€ e aplique herbicida, vai ver que as ervas não lhe dão trabalho nenhum". Pois, mas tal palavra não entra mais onde eu estiver... Com o decorrer deste ano 2016, o tempo não tem dado descanso, mesmo nesta zona do País, choveu muito, e em alturas complicadas, a erva cresceu muito e foi preciso recorrer a ajuda de roçadores para limparmos a linha da vinha, de forma a mantermos algum arejamento na canópia e evitarmos doenças. Mantemos as ervas na entre-linha para de alguma forma fixar as aguas da chuva e servir junto das ervas cortadas, de alimento para as videiras...


Os ladrões, gomos que abrolham do lenho velho, que só vão produzir lenha e "roubar" alimento às varas com cachos, são também retirados.


Sem manter o físico, nada se faz, portanto a hora da "bucha" é sempre muito importante.



Como não usamos produtos sistémicos (produtos que entram na seiva da planta), para controlar as doenças, temos de estar sempre à cautela, e ver quanto chove por m2, porque os produtos de contacto (produtos de agricultura biológica) que usamos (hidróxido de cobre e enxofre molhável), facilmente são lavados e logo temos de aplicar mais uma vez... e não há receitas, é o que a natureza manda.

O Sr. Ferreira a juntar com todo o cuidado a dose certa de hidróxido cobre e enxofre de forma a proteger as nossas videiras. O ciclo vai tardio cerca de 2/3 semanas de atraso, vamos la ver se o tempo fica mais bonzinho conosco...


Até agora, passou pouco tempo, mas ja foi um período bem duro e de muito trabalho, e logo num dia que me questionei se estava no caminho certo, eis a minha surpresa... Encontrei não 1, nem 2, mas 3 ninhos de "passarada". Encheram-me a alma e deram-me a certeza que eu precisava!


A cerca de 250m de altitude, na aldeia de Mós do Douro, temos cerca de 1ha, que iremos plantar no inicio do próximo ano. Foi batizada de "Vinha da Aldeia". Patamares a antiga, feitos à mão e sem grande orientação. Daqui na melhor da hipótese, vinho só daqui a 4/5 anos


Por estas bandas, existem cada vez mais vinhas ao abandono, gente que vai ficando mais "velhota" e que não tem ninguém que siga com a agricultura. Praticamente a vinha que é tratada, é a que tem direito a beneficio, e a que não tem, as pessoas são as próprias a dizer que não vale a pena perder dinheiro para as tratar. Isto deixa-me preocupado...



Recentemente falaram-me dum caso do género. Esta vinha que agora estamos a tomar conta, tem cerca de 0,50ha, videiras com cerca de 50 anos, numa serra a cerca de 650m altitude, mesmo de frente para Vila Nova de Foz Côa. Para cá chegar temos de fazer cerca de 2km por caminhos fora da estrada. Quando cá cheguei a vinha estava num estado "depressivo". Prometi a mim mesmo que devolveria "vida" a esta terra!!

E assim foi, em finais de Abril, ainda não tinha sido podada, ja começava a abrolhar, das duas uma, ou deixávamos seguir e para o ano não tínhamos videiras, ou então podávamos já tarde e a más horas e tentávamos regular da melhor maneira o ciclo de cada videira. Podar tarde foi obviamente a opção acertada!


E aqui está parte do resultado, passado um mês... Podia ser melhor, mas esta biodiversidade encanta-me, aliás, mal cheguei a vinha e abri a porta do carro, veio um cheirinho a flores, funcho, etc, Indiscritível!!! Batizada de "Vinha da Serra", vai seguramente dar que falar no futuro breve.



Só espero conseguir estar a altura do desafio, que é manter este património Serrano do Douro Superior :)